“Quase” é uma sensação perturbadora e inquietante. Nos deixa acordados desenhando cenários, reescrevendo roteiros e procurando brechas de onde poderíamos ter feito diferente. Sempre há o que mexer quando estamos contando uma história para que ela chegue ao final que queremos, mas nem sempre estamos dispostos ao desconforto da mudança no presente para que evitemos o “quase” no futuro. Essa impressão de possibilidades nos faz pensar no futuro do pretérito: o mais perigoso dos tempos verbais; aquele das hipóteses.
A gente poderia ter terminado aquela série alemã superestimada, enquanto fazíamos comentários aleatórios sobre o enredo estranho, ou esvaziado o catálogo da Netflix. A gente poderia ter tido mais discussões de onde iríamos comer: no italiano charmoso da esquina ou no requisitado belga com fila de espera. A gente poderia ter estudado uma forma homeopática de tratar sua alergia a frutos do mar. A gente poderia ter treinado juntos para meias ou maratonas completas mesmo. A gente poderia ter feito aquela viagem daquela aposta suspeita, que tenho medo até de falar em voz alta. A gente poderia ter sido muito mais nós, e menos “eu” e “eu”.
“Eu” não existe quando estamos falando de uma história. Os melhores scripts são aqueles em que um personagem vai se descobrindo no outro; encontrando uma forma de coexistir naquela relação mesmo com as diferenças. É aí que mora a beleza dessa vida: se adaptar. Mas, calma, ninguém precisa deixar de ser quem é pelo outro. É tudo uma questão de estar disposto a viver uma nova versão de si mesmo. O nome disso é amor, ou deveria ser.
É difícil desistir de uma história destas. Mas, quando você já viveu o que precisava viver, você tem as lembranças a se apegar, os casos, as anedotas, as metáforas que eram só de vocês. Vai doer e não vai ser fácil; contudo, mais difícil ainda é renunciar a um quase amor. É desacreditar que pouco daquilo era real e desapegar das possibilidades de um tempo verbal perigoso. Todos os planos se tornaram apenas isso: planos. E as memórias latejam como se você tivesse o poder de consertar algo, que pode não ter reparo.
A gente poderia…
Adler Berbert
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Maluh
É triste e dói. Porém, acredito que deve ocorrer para um engrandecimento (como tudo aquilo que a gente não consegue explicar, né? Deve ser pro engrandecimento, amadurecimento, etc…). Desistir de um amor longo já é comum – a internet é povoada com pelo menos meio milhão de artigos sobre isso. Desistir de uma paixonite ilusória mais fácil ainda. Mas, desistir daquele amor em potencial é muito bizarro. É como se você assistisse um trailer muito bom e soubesse que NUNCA vai poder assistir o filme todo. Mais um dos mistérios sinistros da vida.
E interessante observar que, quase sempre, acaba-se antes de começar justamente pelo excesso de ‘eus’ na equação, né?
Enfim, é pro engrandecimento, então… rsrs.