Sei que pode parecer desesperador, mas tudo bem mesmo. Tudo bem você abrir mão de um projeto que parecia ter tudo para dar certo e tudo bem você não saber se quer ser médico ou professor. Tudo bem você ter, ao mesmo tempo, vontade de colocar sua vida numa mochila e explorar a América Latina e necessidade de ficar dois dias enrolado em um cobertor vendo filmes na sua cama. Ninguém, no fundo, conhece você tão bem quanto você mesmo – logo, dentro de sua ponderação e em última instância, é você quem sabe qual é o melhor caminho a ser trilhado.
Estou dizendo isso porque já precisei deixar para trás um número inquestionável de intentos e boas intenções. Já precisei fazer um raio X por dia de todas as opções que desbravavam um futuro possivelmente brilhante para minha vida (os imbuídos em crenças astrológicas dirão que isso só é mais difícil para mim porque meu sol é em libra). Já precisei ser muito sincero comigo – sinceridade é uma dádiva gloriosa e estarrecedora.
Então, salvo especificidades que não me competem agora, tudo bem você não saber o que quer para sua vida, principalmente se estiver sob determinadas pressões sociais que, vez em sempre, embaraçam a frágil capacidade de discernimento humano. Nada pior que um desejo paternal velado para que um filho siga determinado rumo na vida – nem tudo se resume à tríade do suposto sucesso profissional: medicina, direito e engenharias, sabiam?
As escolhas estão aí porque elas são opções, não determinismos. Se você tem o dom ou a vontade de aprender medicina para ajudar pessoas, vai fundo, mas saiba que tudo bem querer aprender sobre museologia ou história da arte – e nunca deixe ninguém te desmerecer por isso. Porque, lembre-se, você é o dono do seu próprio caminho e todos os caminhos podem te levar a diferentes finais.
Ah, e com certeza tudo bem você não querer nenhuma das opções. Sério. O que nos torna seres frustrados é a obrigação de ter quer ser alguma coisa imediatamente. Certamente a escolha deve ser feita em algum momento, mas não precisa ser para daqui dois minutos. Tudo bem você pensar, repensar, conversar com seus pais sobre os seus medos e desejos, dizer para seus amigos que seu sonho está fracionado em dez carreiras profissionais diferentes.
O que nos prende a esse limbo assustador chamado profissão é a responsabilidade súbita de ter que dizer, quase sempre aos dezessete anos do primeiro tempo “é para esse futuro que quero chutar a bola e fazer um gol”. Está tudo bem se a bola bater na trave algumas vezes – e, acreditem em mim, ela baterá, por mais certeiro que tenha sido o chute.
Vou contar qual é o lance ideal: não ter vergonha das inseguranças; não hesitar para dizer “eu não faço a menor ideia do que eu quero para minha vida”. Uma amiga disse isso semana passada e pude perceber o alívio inconsciente em sua declaração (talvez o passe mais bonito de sua vida). Golaço!
Eu já quis ser biólogo – mesmo nunca tendo aprendido direito sobre DNA e RNA – cogitei ser astronauta – só porque aos oito anos parecia incrível explorar o universo lá de cima – e ensaiei carreira frustrada na construção civil – ainda bem que não passei naquela prova! Hoje eu tenho um diploma em Rádio e Televisão e estou terminando a faculdade de Jornalismo. Se é isso mesmo? Na maioria do tempo não imagino outra coisa, mas só eu, Deus e meus amigos são testemunhas das crises que me acometem na calada da noite – e se não for isso? E se eu quiser ser médico? Minha família carrega o dom de lecionar no sangue! Por que não estou estudando cinema? E literatura? Definitivamente não é isso!
A única certeza que eu tenho é que as dúvidas afrouxam as certezas e parafusam bem as possibilidades de escolha. Escrevi uma autobiografia quando tinha 10 anos – mas não existe faculdade certa para ego de escritor infantil e também não sei se é isso.
Tomara que seja. Torçamos para que seja. Enquanto isso, sigo dizendo que “tudo bem eu não saber o que quero para minha vida”.
Texto originalmente publicado em 11 de maio de 2017
Ronaldo Gomes
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